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Por adaptação no tempo devemos entender tanto fenômenos que ocorrem nas relações entre um organismo e seu ambiente bem como fenômenos de "economia interna" como por exemplo a permeabilidade de uma membrana ou a secreção de um hormônio.
Até meados deste século acreditava-se que esses ajustes temporais eram realizados por mecanismos do tipo ação-reação, como por exemplo no caso do nosso ciclo vigília/sono: seríamos levados a dormir pela escuridão e acordaríamos com o nascer do sol.
As demonstrações de que o ciclo vigília/sono persiste em condições de isolamento temporal (pessoas mantidas em cavernas por períodos de várias semanas ou meses continuam dormindo e acordando com uma periodicidade de aproximadamente 25h) nas mais diversas espécies sugeria a existência de "relógios biológicos", ou seja, mecanismos capazes de gerar ciclos independemente da presença de estímulos ambientais. Relógios são os mecanismos geradores de ciclos e seu produto final, diretamente observável, são os Rítmos biológicos.
A disciplina que se ocupa dessas questões é conhecida como CRONOBIOLOGIA. Hoje a existência desses "relógios biológicos" é amplamente aceita na comunidade científica, tendo sido algumas dessas estruturas identificadas em várias espécies, na forma de agrupamentos de neurônios que são capazes de gerar ritmos.
Fig.1. Rítmos diários dependem dos núcleos supra-quiasmáticos receberem sinais sensoriais acerca da duração do dia (níveis de luz) dos olhos e da temperatura da pele. Este núcleo então integra o rítmo do corpo de 24 horas, os quais incluem níveis hormonais, temperatura, alerta geral e saída de urina. |
Os núcleos supra-quiasmáticos do hipotálamo anterior em mamíferos constituem o exemplo mais divulgado de relógios que controlam a ritmicidade circadiana (ritmos da ordem de grandeza do dia de 24h) (fig.1). Sabe-se também atualmente da determinação genética desses controles temporais (1). |
Um exemplo de ritmo biológico: a temperatura central
A temperatura central é a temperatura do sangue arterial nas regiões centrais do organismo. Medidas confiáveis da temperatura central podem ser obtidas por exemplo através de cateter equipado com termistores na carótida, aorta, femoral e outras artérias.
Alternativas não invasivas são a temperatura oral, retal e timpânica. Temperaturas medidas na superfície da pele, como é o caso da temperatura axilar, revelam as flutuações da termorregulação periférica que não acompanham necessariamente a variação da temperatura central.
Veja abaixo o resultado de medidas da temperatura central de um homem adulto jovem e sadio ao longo de um dia. Trata-se de uma situação ideal na qual as medidas foram realizadas a cada 60 minutos tanto durante a vigília quanto durante o sono.
Perceba o declínio da temperatura central ao longo da noite e o nadir (valor mínimo) lá pelas 5 da manhã.
Logo em seguida há uma inflexão na curva e a temperatura começa a subir. Neste momento ele tende a despertar.
Lá pelas 23 horas a temperatura central está baixando e ele sente sono.
Em torno do meio-dia a temperatura sofre uma queda e ele sente uma "moleza" que pode ou não redundar em uma bela sesta. Alguns pesquisadores chamam esse momento de "sono secundário" ou "segunda comporta do sono".
Se ele comer uma bela feijoada e deitar em seguida, sua temperatura vai baixar ainda um pouco mais, como voce pode ver no que estou chamando "efeito feijoada", também conhecida como "alcalose pós-prandial".
Suponha que no início da manhã ele fez exercício físico pesado. Veja o "efeito exercício" no gráfico Link.
Essas variações produzidas pela feijoada+repouso e pelo exercício são exemplos de um fenômeno conhecido como MASCARAMENTO. O termo se justifica pelo fato dessas variações circunstanciais obscurecerem o valor que ocorreria na ausência dessas influências de origem exógena. Se você medir sua temperatura central ao longo de vários dias consecutivos, essas variações circunstanciais acabam se anulando e você obterá uma curva semelhante à da Figura1. Sempre que você medir uma variável biológica você verá dois componentes: o componente rítmico (expressão dos "relógios biológicos") e o componente do mascaramento que eventualmente estiver ocorrendo naquele instante.
Hoje em dia a neurosciência tem desenvolvido muitos métodos para estudar rítmos biológicos e relógios, incluindo programas sofisticados de computador e análise estatística para descobrir os componentes rítmicos das atividades orgânicas e comportamentais. Cada vez mais a cronobiologia está descobrindo como, quando e porque nosso cérebro e hormônios são modulados por ciclos naturais.
Bibliografia
Recursos na Internet
O Autor:
Luiz Menna-Barreto, Professor Doutor. Departamento de Fisiologia e Biofísica ICB/USP. Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos (GMDRB),- Instituto de Ciências Biomédicas Universidade de São Paulo Email: menna@bmb.icb1.usp.br
Núcleo de Informática Biomédica
Universidade Estadual de Campinas
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